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A Morte do Autor e o Nascimento do Designer

Quantas vezes eu não ouvi a mesma coisa quando perguntei para alunos no começo de suas graduações o motivo para escolher uma carreira profissional na Indústria de Jogos:

“Quero trabalhar com jogos porque adoro criar histórias, personagens e universos”

Quando ouço essa resposta, sempre penso duas coisas.

A primeira coisa é que eu já fui assim também. Meus primeiros passos foram por querer criar um universo complexo, da sua gênese à sua destruição, com grandes arcos heróicos e lugares fascinantes em um mundo de fantasia rico.

A segunda coisa é que a chance dessa pessoa que me respondeu isso desistir da área de jogos no começo da sua formação é muito, mas muito alta. Se não isso, o sonho de criar esses universos e histórias desaparece aos poucos, enquanto que o interesse por outras áreas do desenvolvimento vai crescendo.

Claro que isso é um fenômeno natural. Faz parte da descoberta profissional entender que o seu sonho é um pouco diferente quando está materializado, especialmente quando se trata de uma carreira que é taxada de divertida por quem está fora, mas que é realmente uma profissão como outra qualquer.

Ao mesmo tempo, também é interessante observar que essa jornada, partindo exatamente do ponto do criador de histórias, é tão constante e se repete ano após ano, geração após geração, nos cursos de jogos e comunidades regionais de desenvolvedores.

Para mim, esse é um dos tipos de frustração mais comuns do jovem desenvolvedor e o motivo para escrever esse texto é exatamente explicar um pouco de várias coisas que já falei em outras publicações para o Compass, mas sob a ótica dessa jornada pessoal.

O primeiro ponto, que talvez seja o principal responsável por essa quebra de expectativa, é a mentalidade com que encaramos os jogos quando somos os consumidores.

Os grandes blockbusters e as produções que chamam a atenção e dão a cara do setor costumam ser narrativas profundas e envolventes, tramas de qualidade cinematográfica ou profundas como obras de ficção de alta qualidade.

Temos desde histórias contemporâneas que tratam sobre criminalidade e poder, passando por sagas de ficção científica envolvendo civilizações intergalácticas e tecnologia futurista, até narrativas épicas de fantasia medieval com suas mitologias e mundos maravilhosos.

Tudo isso, claro, faz parte dessas experiências, mas são descrições que podem ser aplicadas a livros, séries, filmes e diversas outras obras que podem ser consumidas sem uma interface como um dispositivo digital, um tabuleiro, cartas ou qualquer coisa assim.

Aí está a questão.

Por mais que essas características possam ser aplicadas aos jogos, estes não são sobre isso. Jogos são produtos interativos, que oferecem um espaço de possibilidades amplo para seus usuários terem experiências, realizarem coisas, impactar e serem impactados por ações.

Movimento. Dinamicidade. Interatividade. Experiência. Ação. Reação.

E entender isso é mais difícil do que parece, especialmente quando você é o consumidor.

Há uma razão muito simples para isso, você é quem está imerso nessas histórias. Você experimenta elas como a sua narrativa, sua aventura e suas missões, não como o conjunto de sistemas, mecânicas e arcos projetados para fazer você se sentir imerso.

Caso você preste atenção demais nessas estruturas em vez de aproveitar o jogo, cuidado, você pode estar um passo mais perto de se tornar um Dev ou até já ser um.

Assim, quando alguém pensa sobre o que é o jogo que está jogando, é natural que o foco seja narrativo e orientado à história e aos acontecimentos, em vez das mecânicas, dos sistemas e, acima de tudo, da proposta que o jogo busca como uma experiência interativa.

Um disclaimer rápido. Nem todos os jogos modernos são assim, muitos são focados inteiramente em mecânicas e interações ou no aspecto emergente da jogabilidade, como a competitividade, colaboração e sensação visceral. Toda a questão está no fato de que quando pensamos nos jogos de alcance global, os maiores exemplos são de personagens e franquias carregadas por histórias e mundos complexos (não, não estou olhando para você, Nintendo).

Portanto, quando você busca fazer essa transição de consumidor para desenvolvedor, ela costuma ser pavimentada pela decisão de promover o mesmo tipo de sensação para outras pessoas (e muitas vezes para você mesmo, no famoso caso de desenvolvedores que fazem jogos só porque eles gostariam de jogar esse tipo de jogo).

Você quer poder contar sobre a história do jogo que criou. Quer que as pessoas gostem dos personagens, achem eles interessantes e talvez até usem camisas com estampas deles em eventos de cultura pop.

Porém, sejamos sinceros, seria mais fácil você conseguir esse resultado escrevendo um livro do que desenvolvendo um jogo. No pior dos cenários, você precisaria de menos pessoas para criar algo que ninguém irá se importar.

Novamente, não há nada de errado com isso, mas quando você começa a desenvolver jogos, nota automaticamente duas coisas: primeiro, o desenvolvimento é um processo colaborativo; e segundo, os jogos são feitos para promover uma experiência.

Por processo colaborativo, quer dizer que você raramente terá a possibilidade de criar algo que ficará intocado pela opinião de outras pessoas. Criar um jogo requer diversos profissionais que irão colocar parte de si no projeto, modificando ele e tornando a ideia final diferente do que foi pensando no começo.

No melhor dos casos, mesmo desenvolvendo sozinho, o seu jogo ainda estará sujeito ao feedback do público e das pessoas que testarem ele, o que incentivará você a mudar o projeto ao longo do tempo da mesma forma ou, pelo menos, ficar em dúvida se a sua obra prima é de fato uma obra prima.

E por promover uma experiência, quer dizer que os jogos são tão bons quanto a interação que eles permitem e a imersão que eles promovem nos seus jogadores. Isso é feito utilizando os artefatos que a linguagem lúdica dispõe, como mecânicas, sistemas, artes visuais e, claro, narrativa.

O resultado disso é que o que você cria tanto está sujeito a interferências externas, sejam de pessoas da sua equipe ou do público que você busca atingir, quanto o conjunto de artefatos que promovem a tão maravilhosa imersão em um jogo vão além de ter uma boa história para contar, mas vão na direção de ter uma boa experiência para se viver.

E aí chegamos no Designer do título. Acho que ele não ia aparecer e era só um nome bonito, né?

Quando se percebe essas coisas, você dá o seu primeiro passo em entender que criar um jogo não está associado somente a trabalhar uma narrativa, mas em projetar um conjunto de elementos que, combinados, irão gerar a experiência proposta.

Ao ato de se projetar esses elementos, com um objetivo em mente, se dá o nome de Design (só para constar, essa não é a definição formal, mas uma simplificação).

E o Designer é famoso por ser diferente do Autor ou do Artista porque, acima de tudo, ele preza pelo resultado do produto que ele está criando.

Para isso, ele precisa abrir mão do preciosismo de algumas ideias e da beleza que determinados elementos possam ter em prol da funcionalidade, da acessibilidade, da objetividade e da coerência da obra que está sendo criada.

Ser o Designer de um jogo não é a mesma coisa que ser um Escritor ou um Artista. A comparação mais comum costuma ser com o Diretor de um filme, que utiliza da sua compreensão da linguagem cinematográfica e dos vários artifícios que ele tem em mãos para criar a experiência audiovisual.

Já eu, costumo utilizar uma comparação mais próxima da realidade do desenvolvedor e defendo que o Game Designer é, acima de tudo, um Designer de Experiência de Usuário.

Um profissional que busca criar um produto que atenda as necessidades e propostas estabelecidas, satisfazendo quem irá interagir com ele e precisa gostar do resultado, utilizando métodos, ferramentas e realizando avaliações para mensurar a eficiência das soluções propostas.

Se isso não é ser Game Designer, pensando nas mecânicas, sistemas, dinâmicas de jogo, core loop, balanceamento de variáveis, topografia de level design e várias outras questões com o objetivo de trazer uma boa experiência na interação com o produto, então eu estou tão perdido quanto vocês.

Então, se você é um desenvolvedor ou aspirante a desenvolvedor que está passando por esse momento de aflição sobre como criar seus jogos, mas sente que não consegue exprimir as histórias e os dramas que imaginou no produto final, tente imaginar sobre o que o seu produto é.

Pense na razão pela qual o seu jogador iria gostar dele, o que seria interessante de fazer nesse mundo ou como a interação poderia ser agradável e divertida. O que faria ele se sentir animado, frustrado, energizado e relaxado?

Busque respostas para o seu produto que sejam baseadas no que os jogos fazem de melhor: promover interações significativas para os jogadores.

Dessa forma, quando você encontrar alguém que jogou o seu jogo e gostou, essa pessoa não te contará a história que você pensou para o produto, mas a história que ela viveu e se apaixonou por causa do que você criou para que ela pudesse fazer isso.

Arison Heltami

Arison Heltami

Designer de Jogos com formação multidisciplinar nas áreas de UX Design, Gestão de Projetos, Programação e Psicologia Cognitiva, aplicadas com foco em experiências lúdicas digitais e analógicas.

SOBRE NÓS

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Desde 2014, a GamePlan é o destino para desenvolvedores, publicadoras, empreendedores e empresas da indústria de jogos que estejam atrás de Desenvolvimento de Jogos (serious games, co-desenvolvimento internacional, e jogos autorais), Gamificação, Desenvolvimento de Ecossistemas.

Aqui, no Compass, nós compartilhamos de forma descontraída nossos pensamentos e experiências a respeito da indústria e do mercado.

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