série mana

A Série Mana e a Integração Entre Narrativa e Jogabilidade

Final Fantasy Adventure para Game Boy  foi um dos primeiros jogos que eu sei um dicionário pra me guiar pela história, porque eu simplesmente não tava entendendo absolutamente nada do que eu tinha que fazer.

Foi assim que a franquia Mana entrou na minha vida. E sim, o primeiro jogo, no ocidente, realmente se chama Final Fantasy Adventure… Pois é… Squaresoft dos anos 90, né? Enfim. Eu não virei um fã do game e nem da série naquela época, mas há uns anos eu tenho um caso de amor com esse jogo de maneira incondicional, inclusive os 9 bilhões de remakes que fizeram dele, e eu entendo a influência que esse game, assim como os outros jogos da série, teve na minha formação não só como gamer, mas do meu gosto para entretenimento no geral.

Hoje eu vou trazer um pouco dessa franquia para vocês e se você não curte e/ou sequer conhece do que eu vou falar aqui, tá tudo bem. A grande maioria das pessoas deixaram essa franquia passar batido.

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Key Art Illustration do jogo Trials of Mana, por Hiroo Isono | Imagem: reprodução

A série Mana, apesar de não receber tantos títulos, está presente há muitos anos na indústria de games, ela é uma franquia composta por jogos do gênero de RPG de ação criada por Koichi Ishii junto com Hiromichi Tanaka e costuma lidar com o etéreo, com sentimentos, sensações e seres (afinal, é um rpg de fantasia medieval, né) que vão além daquilo que pode ser transcrito em palavras.

Apesar de ter sido um mundo criado praticamente a 4 mãos, a inspiração e imaginação que deu origem a tudo isso veio da mente do Ishii, depois de trabalhar na arte de Final Fantasy III, ele recebeu uma oportunidade de criar um jogo como ele quisesse ao invés de se envolver com Final Fantasy IV. Ele aceitou na hora.

E o que faz de uma série tão esquecida como essa ser especial? Ela certamente não recebe a mesma atenção, muito menos o mesmo orçamento para o desenvolvimento de novos jogos, como as franquias Final Fantasy e Dragon Quest recebem, o que acaba transparecendo uma sensação de que ela seja uma franquia em um patamar inferior às demais.

Não nego, diante deste histórico, que de fato ela não recebe os mesmos louros que outras franquias receberam com o passar dos anos. Enquanto essas outras franquias fazem um sucesso estrondoso e moldam o ambiente da indústria de games, quebrando paradigmas e apresentando novos precedentes, a série Mana sempre ficou à margem desse desejo ao protagonismo, preferindo explorar outras formas de causar um impacto relevante em seus jogadores.

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Box Art japonesa  de Dawn of Mana, por Hiroo Isono | Imagem: reprodução

Qualquer um dos jogos da franquia Mana, funcionam como um convite para um lugar onde o jogador vai não apenas se divertir neste ambiente, mas também ser exposto a todo tipo de histórias e sensações. Histórias e sensações essas que nos convidam a pensar sobre o peso das nossas decisões, empatia e resiliência.

É exatamente esse ponto que me faz voltar ao que eu abordei no começo deste artigo sobre como a franquia causou tanto impacto em mim. Foi exatamente por conta dessa característica que ela tem desde o lançamento de Final Fantasy Adventure em 1991 é o seu principal diferencial.

Em entrevista para o art book Art of Mana, comemorando os 25 anos da série, Ishii e Tanaka comentaram sobre algumas mecânicas que eles implementaram no jogo para criar um vínculo maior entre o jogador e a história, e eu vou compartilhar algumas coisas destes jogos.

Eu fortemente recomendo jogar estes jogos antes de continuar lendo, caso você seja apegado à histórias contadas através de games.

A história de Final Fantasy Adventure é permeada por chegadas e partidas, tristeza e felicidade, empolgação e tranquilidade. Através do uso constante de extremos, a história do jogo, mesmo que primitivamente traduzida, foi bem sucedida em extrair alguns momentos icônicos de uma telinha monocromática de GameBoy.

Ishii comenta na entrevista o quanto transmitir essa mensagem de dualidade na vida e o impacto que a emoção tem nas pessoas como o ponto focal da narrativa de seus jogos e um fato notório que reforçou a certeza de que ele estava no caminho certo foi, durante uma sessão de playtest de Final Fantasy Adventure, ele observar que uma das pessoas que participavam da sessão, um mulher com pouquíssimo contato com games, chorar no final do jogo.

Este tipo de envolvimento do jogador com a história sendo contada possui alguns gatilhos apoderadas pelo gameplay de uma forma relativamente nova para a sua época, um exemplo primordial deste tipo de interação com a intenção da criação de vínculo entre jogador-história a partir do gameplay está no arco do Lester e Amanda.

AVISO IMPORTANTE: NAS PRÓXIMAS LINHAS HAVERÃO SPOILERS PARA OS SEGUINTES JOGOS, por favor caso você se incomode com spoilers, passe o texto até chegar ao aviso de fim dos spoilers: 

  • FINAL FANTASY ADVENTURE E SEUS REMAKES (ADVENTURES OF MANA E SWORD OF MANA)

Durante a história de Final Fantasy Adventure, Sumo, o personagem principal do jogo, chega na cidade de Jadd, lá ele encontra os irmãos Amanda (Uma lutadora super ágil) e Lester (Um bardo mó gente boa) e por conta de algumas coisas que já rolaram na história, o lorde que comanda a cidade captura esse bardo e transforma ele em… Um papagaio. É… Eu sei… Essa parte da história é meio estranha mesmo hahahaha. Mas enfim, fica boa, eu vos asseguro, meus broder!

Bom, para reverter esta maldição, a dupla descobre que é preciso conseguir lágrimas de uma medusa e dar dá-las para a pessoa acometida pela maldição beber para que ela se se cure, e, coincidentemente, tem uma medusa que acabou criando um covil em numa caverna perto da cidade ali, não é tão bom quando o mundo é super conveniente?

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Bicho pegando no covil da Medusa, artwork oficial de Adventures of Mana por HACCAN | Imagem: Reprodução

Após passar pela masmorra e depois de muito diálogo entre o Sumo e a Amanda, a medusa é finalmente derrotada, mas não antes de ferir a companheira do jogador profundamente, inoculando o seu veneno nela.

Neste momento Amanda revela que, por ter sido envenenada, ela se tornará a próxima medusa e, aos prantos, ela implora para ser morta antes da transformação. Neste ponto do jogo o jogador é obrigado a vê-la sofrendo por conta dos efeitos do veneno até ele pressionar o botão de ação, comandando o Sumo a matar sua companheira, acabando assim tanto com o sofrimento dela quanto com a sua vida.

É um momento relativamente pesado, onde o jogador não tem outra opção a não ser tirar a vida de Amanda. Ao fazer isso é possível coletar as lágrimas de Amanda e levá-las até o seu irmão, curando-o da maldição e fazendo ele retornar à sua forma humana. Ao explicar o sacrifício da irmã para quebrar a maldição e ao derrotar o lorde da cidade de Jadd, Lester decide ficar na cidade tocando um Requiem para a sua irmã para que a sua alma descanse em paz.

Esse arco é relativamente curto dentro do jogo e de pouco impacto na história geral do jogo, mas ele demonstra o intuito da narrativa da série de forma magistral, onde as ações dos jogadores importam e nem sempre elas trazem benefícios aos envolvidos. Isso mina a sensação de dever cumprido a cada final de arco, sensação potencializada com o artifício de tornar obrigatório o jogador pressionar um botão para matar Amanda.

FIM DOS SPOILERS, TÁ TRANQUILO LER A PARTIR DAS LINHAS ABAXO

Em todos os jogos da série Mana, há diversos exemplos como este arco onde narrativa e gameplay juntam forças para evocar alguma resposta emocional em quem estiver jogando, e isso é algo que ressoa muito em mim e revisitar estes momentos durante a série sempre traz à tona esse tipo de empatia através da simplicidade aparente como estas situações são apresentadas durante estes jogos.

A série Mana, nasce como um produto que visa expressar a visão de mundo de seus criadores, e esta é uma visão perpetuada a cada lançamento, onde os games aliam fortemente o gameplay à narrativa de maneiras diferentes visando surpreender os jogadores sem falhar em trazer uma determinada emoção, ou sensação a eles através da jogabilidade.

É isso que faz com que a série seja tão especial para mim, e acredito que seja o que torna a série especial para muitos outros jogadores pelo mundo. Se você se interessa na integração de gameplay à narrativa e como isso funcionava nos primórdios da indústria, talvez você se interes1se muito pelos jogos da série.

Então jogue, aproveite (ou não hahaha). Eu quis com esse artigo mostrar o meu apreço por uma série que sempre ficou um pouco à sombra de outras do gênero e que, quem sabe, não desperte o interesse de quem leu até aqui em conhecer algo novo?

A série Mana lida com a ciclicidade do mundo e tudo o que envolve experimentar diferentes sensações durante uma aventura. É um mundo inteiramente novo aguardando a ser explorado por aqueles curiosos o suficiente para dar os primeiros passos nele e é uma aventura que compensa ser revisitada de tempos em tempos, com uma nova visão de mundo pois assim ela desperta diferentes sensações durante toda a experiência.

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Ilustração oficial de Legend of Mana, por Kameoka | Imagem: reprodução


Eu espero não ter entediado vocês tanto assim falando sobre isso. A série Mana é realmente importante pra mim e é algo que eu tenho um enorme carinho. Gostei de falar sobre ela aqui porque no fundo eu acredito que a gente deve falar sobre aquilo que genuinamente amamos com ainda mais intensidade do que sobre aquilo que odiamos. Gera mais positividade para todos em um período tão turbulento.

Quais franquia de games mexem assim com vocês, ao ponto de você poder falar sobre ela por horas a fio? Ela é super conhecida ou poucas pessoas sabem da sua existência? Use as oportunidades que a vida te dá para apresentá-la as pessoas que são importantes para você.

Eu vou ficando por aqui, meus broders, vejo vocês por aí, e se quiserem falar sobre a série Mana comigo, eu estou sempre à disposição.

José "Quinho" Lisboa

José "Quinho" Lisboa

Quando não está passando pela síndrome do Tetris, está analisando gráficos, dados e números sobre o mercado de games... Antigamente para xingar muito no twitter, agora para atuar profissionalmente.

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