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Associativismo Dev: Welcome to the Big Game

Esse deve ser um dos artigos mais difíceis de se escrever, mas ao mesmo tempo um dos mais naturais para mim, baseado em uma vivência de meia década com o Associativismo. Menos tempo do que muita gente por aí, mais tempo do que a maioria ainda assim.

O foco desse artigo não é falar sobre IGDA ou Sindicato de Game Dev diretamente. Não é tratar sobre os benefícios do associativismo tendo o panorama das discussões de ESA e outros órgãos internacionais. Não vou falar de combate ao crunch e exploração de mão de obra.

O objetivo dele é falar sobre o nosso quintal. Nosso enorme, diverso e constantemente caótico quintal.

Para quem não sabe, fui Diretor Executivo da Associação Cearense de Desenvolvedores de Jogos (ASCENDE Jogos) durante um bom tempo. Três anos oficialmente. Quatro se contar o período que eu estava fazendo essa função de forma extraoficial, além de outros cargos na própria Associação. No momento que você estiver lendo esse artigo, talvez eu esteja ocupando algum cargo novamente, quem sabe?

Meu primeiro contato com a Associação foi antes de sua fundação, em 2015 – 2016, no auge dos meus 20 anos. Parte de um esforço local da cena fortalezense de desenvolvimento de jogos para conseguir visibilidade e representatividade, tentando construir uma organização que conseguisse dar o mínimo de respaldo para a atividade onde as vozes estavam tão desnorteadas que algumas pessoas confundiam Game Dev com Cultura Gamer (P.S.: tem uma ou outra pessoa que ainda confunde).

O movimento cresceu, passou por altos e baixos, e hoje a ASCENDE Jogos é uma Associação Privada Sem Fins Lucrativos, com CNPJ, reconhecida pelo Estado, que atua efetivamente para a melhoria das condições da Indústria de Jogos do Ceará.

Já tivemos, inclusive, programas de abrangência estadual para a capacitação dos Devs: o SEBRAE DEVELOPERS, uma parceria da ASCENDE Jogos com o SEBRAE CE e execução da GamePlan entre 2019 e 2020. Sem dúvidas, nossa maior vitória até o momento em termos de abrangência e resultados. Também não foi a primeira e nem a única vitória.

Imagem de uma das ações realizadas durante o projeto SEBRAE DEVELOPERS

Esse esforço todo, nem de longe, foi um esforço individual, mas para mim foi uma jornada de aprendizado que talvez tenha me feito amadurecer mais rápido do que o normal para entender como as coisas funcionam.

De um Dev Indie de 20 anos recém chegado na faculdade para Diretor Executivo de uma Associação que representa uma dezena de empresas e algumas centenas de profissionais. Esse não parece o percurso normal.

A verdade é que quando você está começando, independente da sua expertise como Dev, você tem uma visão meritocrática da Indústria: se eu for bom o suficiente, criativo o suficiente e fizer um produto de qualidade, eu vou ser um unicórnio de vendas.

Esse sonho cor de rosa passou pela cabeça de todo mundo que estava começando, que via a Indústria de Jogos como um sonho onde você poderia criar os jogos que sempre quis jogar e que, com certeza, outras pessoas também iriam querer jogar.

Na real, o sonho cor de rosa não existe (especialmente para mim que sou Daltônico, no máximo ele é um sonho cor de salmão pálido).

E com isso eu não quero dizer que a meritocracia não funciona sozinha ou que a indústria é mais do que criatividade e trabalho duro. Bom, isso é verdade, mas não é esse o ponto.

O que eu quero dizer é que para cada Dev Indie que quer seu lugar ao sol no Brasil; para cada profissional que tem conhecimento técnico e precisa de um lugar para começar; para cada empresa que prestou três ou quatro serviços que praticamente não tinham nada haver com jogos para se sustentar… Para cada uma delas existe um sistema de Alto Risco e Alta Recompensa que é inacessível à eles. Ao menos sozinhos.

Aí entra a Associação. Há diálogos que você não consegue ter se estiver isolado, existem mudanças que você não pode fazer como uma voz única e, acima de tudo, há entidades que nunca vão te ouvir, não importa o quão bem a sua empresa vá.

existem exceções de sucesso no Brasil e no mundo que não dependeram de uma Associação para se desenvolver? Claro que sim, caso contrário a gente entraria no Paradoxo do Ovo e da Galinha. Existem exceções sobre empresas e Devs que, sozinhos, conseguiram mudar o sistema a seu favor? Podemos contar nos dedos de uma mão.

O que eu quero dizer com mudar o sistema, afinal?

Já parou para pensar quanto a sua empresa paga de impostos? Bastante, né? E seria bom que pudesse pagar menos impostos? Claro. Já pensou se, como Empresário, você batesse na porta do Secretário da Fazenda do seu Estado? Seria uma conversa proveitosa de cinco minutos, caso ele te recebesse, e nada mais.

Já imaginou como seria se você pudesse contar com um espaço gratuito para o desenvolvimento dos seus projetos? Que a contrapartida fosse dividir conhecimento e ajudar a formar novas pessoas? É uma iniciativa louvável de filantropia empresarial, mas você teria dinheiro para arcar com esse sonho? Consegue convencer as pessoas de que isso é realmente necessário ou benéfico para a sua região?

Que tal ir para eventos internacionais? Levar o produto que você tanto virou noites para desenvolver e finalmente mostrar ele para Publicadoras e Investidores em potencial? Já comprou suas passagens? Já trocou seus dólares? Tem ao menos uma dezena de milhares de reais para desembolsar?

Tudo isso e mais um pouco é algo que impacta na vida do Dev, mesmo que às vezes o Dev não se toque ou não consiga imaginar essa possibilidade.

Diminuir impostos? Eu achei que sempre foi e sempre será assim, eu posso realmente alterar isso?

Espera, tem como criar um espaço voltado para Game Dev na minha cidade, onde a gente possa reunir os grupos para trocar ideias e criar projetos em conjunto? Isso sem eu abrir o 798° Coworking aqui?

Então tem alguém que se interessaria que eu viajasse para fora para mostrar produtos de qualidade e trouxesse investimentos para o meu Município/Estado/País?

Aqui a gente está tocando somente na ponta do iceberg. Editais? Mapeamento da Indústria para programas educacionais e de inclusão? Redução de impostos de importação para insumos tecnológicos necessários para o desenvolvimento de ponta? Linhas de crédito especiais que entendam e atendam as necessidades de Game Devs?

Tudo isso é uma fração das pautas possíveis, mas que só são possíveis quando você tem mais de um Dev atuando e justificando essas ações. Ninguém vai bancar um Edital para uma empresa; ninguém vai se interessar em reduzir impostos para você e seu Dev Kit; ninguém vai te oferecer crédito se não tiverem prova de que esse setor que você atua de fato vale a pena ser investido.

E querem saber o porquê?

Sozinhos nós não damos votos. Não damos garantias de apoio institucional para bancadas, políticos ou representantes em instituições privadas. Sozinhos nós não representamos interesses que podem crescer. Não representamos sonhos que podem ser usados como planos de governo ou estratégias de ascensão hierárquica.

Quer ver duas reações diferentes sobre o mesmo tema? Chegue para um Gestor de Inovação, Cultura, Economia Criativa, Educação ou Tecnologia qualquer e pergunte para ele se a sua empresa pode ocupar uma sala no prédio dele. Ele vai dizer que não. Ou vai te cobrar uma modesta taxa de uso, se for possível.

Faça o mesmo experimento representando uma dúzia de empresas. Você vai começar a ver uma reação diferente. A resposta pode ser negativa, claro, mas a reação será diferente. Traga a proposta com um planejamento do setor, um mapeamento organizado ou um gráfico de crescimento em potencial… Ele pode te oferecer o andar inteiro.

Está sentindo falta de um Edital para o setor na sua região? Peça para um Vereador ou Deputado. Ou melhor, peça para um assessor que nunca irá comunicar o que você falou para o Vereador ou Deputado.Vá como um coletivo e as suas chances aumentam consideravelmente. Ainda é difícil? Sim, não existe só você com demandas no mundo, muito menos como um coletivo, mas agora suas chances são maiores que zero. Acredite, isso faz muita diferença, especialmente se você tiver números que provem quanto dinheiro as empresas movimentam (e quantos eleitores em potencial o ecossistema atinge).

Eu não estou falando de interesses sombrios, de maquiavelismo ou de gente aproveitadora. A grande maioria das pessoas que eu lidei em postos de comando eram pessoas boas, engajadas, interessadas e, quando muito, presas em uma burocracia que estava além do poder delas para fazer as coisas serem mais ágeis.

Outras tantas querem entender como beneficiar você irá beneficiar elas, já que filantropia não é exatamente algo comum de ser feito para beneficiar empresas.

Ainda assim, o que precisamos encarar é que existem interesses. Existem planos e objetivos que estão guiando as ações nas instituições, na sua cidade ou estado e que, se você não tiver entradas com passe especial, não irá saber deles até ser tarde demais e só conseguirá pegar o finalzinho dos benefícios. Esses planos, inclusive, estão em execução neste exato momento. Aqui eu sei que estão.

Associativismo Dev

Há coisas que querem acontecer por todo lugar, iniciativas e pessoas que querem colocar as coisas para frente, mas sem motivadores específicos, sem instrumentos de argumentação, fica difícil. Um coletivo entra ai. Você se torna uma engrenagem? Sim. Mas vai poder mover o mecanismo para mais perto do lugar onde você quer que ele chegue e não ser esmagado por ele.

Para finalizar, eu sei que isso tudo é óbvio quando a gente pensa em relações políticas e institucionais no Brasil. Não tem mistério em entender isso, mas a lição que fica é que isso também está enraizado na Indústria de Jogos. Não estamos isentos de ter que lidar com esses assuntos e quem acredita que não se trata disso está sendo ingênuo.

Ter boa parte da minha maturação como Game Dev relacionada a Associação me ensinou uma coisa importante: coletivamente, a Indústria de Jogos é muito forte. Não adianta você apresentar gráficos da PwC sobre o crescimento da indústria para um Gestor se você for só uma Empresa ou Estúdio Indie, você não faz parte dessa realidade bilionária como acha que faz.

Coloque mais Estúdios Indie na roda e seu poder de convencimento aumenta, porque começa a ficar claro que esse coletivo tem condições de pegar uma fatia desse faturamento e trazer ele para casa, o que vai se converter em impostos, mudanças de qualidade de vida, indicadores de crescimento econômico e até uma bonificação para alguém que te abriu as portas antes e colheu os frutos com você por ter cedido um espaço de trabalho, quem sabe?

Isso tudo gera um ciclo virtuoso com possibilidade de, verdadeiramente, mudar um ecossistema e transformar o que era mato em um hub com potencial de internacionalização, geração de divisas e capacidade de mudar o panorama de uma cidade inteira ou de um estado para melhor.

Duvidam? Esperem para ler mais sobre o Ceará nos próximos anos.

Imagem por StartupStockPhotos no Pixabay

Arison Heltami

Arison Heltami

Designer de Jogos com formação multidisciplinar nas áreas de UX Design, Gestão de Projetos, Programação e Psicologia Cognitiva, aplicadas com foco em experiências lúdicas digitais e analógicas.

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Desde 2014, a GamePlan é o destino para desenvolvedores, publicadoras, empreendedores e empresas da indústria de jogos que estejam atrás de Desenvolvimento de Jogos (serious games, co-desenvolvimento internacional, e jogos autorais), Gamificação, Desenvolvimento de Ecossistemas.

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