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Board Games vs Video Games: Experiência Lúdica.

Tive oportunidade de fazer intercâmbio há alguns anos atrás para estudar Game Engineering na Holanda. Uma das primeiras coisas que fiz quando estava por lá foi alimentar um pouco uma das minhas grandes paixões: Jogos de tabuleiro! Dentro deste tema, lembro de dois acontecimentos que achei peculiares:

O primeiro foi quando eu comprei o jogo Gears of War: The Board Game, excelente jogo cooperativo, de mecânicas fluidas e dificílimo! Ralei pra passar da primeira missão, tendo que re-jogá-la umas 8 vezes! Enfim, empolgado com minha nova aquisição, fui convidar um colega do curso para jogar, mas fiquei surpreso com a resposta: “Por que eu vou jogar o jogo de tabuleiro, se posso jogar o original no console?” Na minha cabeça respondi: “Porque são dois jogos completamente diferentes! A experiência é outra!” mas como não conhecia bem o colega, apenas dei de ombros. 

Mais na frente, já com mais intimidade, os colegas marcaram uma noite de jogos. Cada um levaria seu notebook para jogarmos em LAN. Infiltrei um pequeno card game chamado Coup (a versão brasileira, belíssima) na bolsa e quando cheguei lá dei a ideia de jogar. “Ah, mas jogo de carta é chato!”, “Poxa, estamos cheios de notebooks, pra que ir pro analógico?” Perguntei, quase sabendo a resposta, quais jogos de tabuleiro ou cartas eles já tinham jogado na vida. Baralho, xadrez, Monopoly, Risk entre outros. Nenhum era sequer da década de 90. Insisti, disse que as partidas eram rápidas, 15 minutos no máximo! Enfim, cederam. Jogamos umas 6 ou mais partidas em sequência!

Jogos de tabuleiro (ou analógicos, para incluir card games e RPGs) são quase tão antigos quanto o conceito de sociedade, mas nas últimas décadas eles têm sido revolucionados pela invenção do RPG e da “cultura gamer”, que surgiu com a popularização dos jogos digitais. São formas legítimas de ter uma experiência lúdica, não ficando para trás dos videogames em termos de diversão, estratégia ou competição. Dito isso, não podemos, porém, dizer que os dois modos de jogar trazem as mesmas experiências. É disso que falarei um pouco agora.

Acredito que a primeira grande diferença entre as duas mídias é a questão do contato social. Ainda que, hoje em dia, as evoluções tecnológicas permitem um multiplayer online de contato instantâneo, muitas vezes até com o compartilhamento de câmeras para ver o amiguinho enquanto joga, a verdade é que o jogo de tabuleiro permite um contato físico muito mais direto e olho no olho. Mesmo jogos digitais com multijogador local ainda precisam da tela como meio. Nos jogos analógicos, se quiser negociar preços, deve fazer em contato direto com o outro jogador, enquanto os outros observam esse contato, identificando linguagens corporais e tons de fala, gerando uma experiência social muito completa.

Outra diferença vem pelo manuseio do sistema do jogo. Enquanto nos digitais temos toda uma parafernalha disponível para o jogador não precisar controlar os estados de jogo, mas apenas reagir às suas alterações, no jogo analógico as engrenagens se movem pelas mãos de quem está jogando. Isso gera, em muitos casos, uma maior familiaridade com as regras, maior possibilidade de estudo do sistema e de adaptar as estratégias quando ele é compreendido. 

Dessa forma, o jogador cria uma intimidade maior com as mecânicas de jogo, sendo muito comum grupos criarem regras da casa, adaptando o jogo aos seus estilos. O jogador se torna parte não só da experiência, mas também da agência do sistema. Muitos jogos digitais têm trabalhado em cima dessas possibilidades, permitindo ao jogador serem criadores de conteúdo e/ou modificadores de recursos, como é o caso do Roblox ou Garry’s Mod.

Outra questão bem importante que diferencia os jogos digitais dos de tabuleiro: Mídia física. Em tempos de internet banda larga, os DVDs e Blurays estão perdendo espaço para a cópia digital. É difícil hoje você ter uma caixa com as mídias físicas de um jogo de computador, e até os consoles já permitem o download dos jogos direto para os seus armazenamentos internos. Essa realidade não ocorre nos jogos de tabuleiro/cartas. Enquanto atualmente na minha biblioteca Steam eu tenho acesso a 450 jogos, minha estante de jogos de tabuleiro ocupa meia parede do escritório com aproximadamente apenas 40 unidades. Dessa forma, as caixas são tidas como objeto estético, com artes caprichadas e efeitos gráficos para destaque.

Falando em estética, apesar da incrível capacidade audiovisual dos jogos digitais, seus primos analógicos fazem uso de outra estratégia: estética tátil. Manusear os componentes de um jogo, sentindo sua textura, colocando as peças, o som deles batendo, como num rolar de dados, todas essas pequenas interações criam uma estética gostosa de lidar, ainda mais juntando com sensações e sentidos como o cheiro das cartas novas, ou destacar tokens e abrir os tabuleiros, vendo todos os componentes na mesa é de encher os olhos de alegria.

Por esse mesmo motivo, também, os jogos de tabuleiro costumam ser bem mais caros que os digitais. O uso de plástico, impressão, papelão (ou até madeira em alguns casos) elevam o preço, deixando com que alguns exemplares sejam artigos de luxo, criando toda uma carga simbólica de fetiche da mercadoria. Não é raro ver jogos que ultrapassem os R$1000,00 à venda no mercado brasileiro. Por outro lado, muitas pessoas se dispõem a divulgar mesas desses jogos abertas ao público, seja em casa, em lugares públicos ou eventos, criando um sentido de comunidade, que é reforçado pelo surgimento de um mercado informal de jogos de tabuleiro, que usam os grupos nas redes sociais dessas comunidades para passar pra frente jogos que estão parados nas estantes à preços mais acessíveis. Esses grupos passam a se tornar fonte de troca de experiências, informações e curiosidades sobre o hobby.

Todas essas diferenças servem apenas para defender que o jogo digital não substitui o jogo analógico, pelo contrário, eles se complementam, permitindo à cultura gamer um maior horizonte de experiências novas e interessantes para se buscar. Em uma outra ocasião devo falar sobre como os jogos de tabuleiro auxiliam o game designer, mesmo aqueles profissionais focados exclusivamente em jogos digitais! Até a próxima e lembrem-se: Rolem dados!

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