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Determinístico vs Estocástico: Benchmarking para Jogos na Perspectiva do Design Pt. 2

Em um passado muito, muito distante, o texto “Determinístico vs Estocástico: Benchmarking para Jogos na Perspectiva do Design Pt. 1” foi escrito. Eram outros tempos, quando ainda acreditávamos que havia vida fora das nossas casas e que a Pandemia iria acabar logo.

Para quem abriu esse texto, aconselho fortemente que vá atrás do primeiro antes de qualquer coisa – e ele está aqui. Se já leu, releia. Se ainda não leu, boa leitura.

Agora vamos continuar de onde paramos…

O conceito de Estocástico, como foi comentado no último texto, define sistemas com condições iniciais conhecidas e regras claras, mas que geram resultados imprevisíveis baseados em pequenas variações que se acumulam ao longo do tempo.

Esse conceito, trazido para a Indústria de Jogos e para os Benchmarkings, também está relacionado com a forma como observamos nossos jogos e como estabelecemos referências para eles.

Se não se tratam das características macroscópicas e claramente definidas do seu jogo; se não é por causa das Tags, da Estética, da Tecnologia e de Mecânicas e Sistemas específicos que você pode compreender mais claramente a potencialidade do seu produto, então através de quê isso deve ser feito?

Aqui temos um conceito batido e debatido diversas vezes, com vários nomes diferentes, mas que eu gosto de chamar de “Proposta de Experiência”. Em resumo, o que você está entregando para o seu Jogador em termos de interação. Como quer que ele se sinta? Como você irá evocar determinados sentimentos? Como irá suprimir outros tantos? De que modo você vai construir um Estado de Fluxo?

Realizar seu Benchmarking através de uma Análise de Proposta de Experiência é um método mais assertivo para conseguir entender de fato quem são seus concorrentes e o que eles estão trazendo para a mesa em termos de satisfação para seus Jogadores.

Ao mesmo tempo, também se trata de um método mais complexo de ser realizado. Em vez de trabalhar somente com Dados e uma abordagem Quantitativa e Referencial, uma Análise de Proposta de Experiência usa essa primeira parte como uma peneira, mas aplica o fator humano e o entendimento de Design para compensar as brechas deixadas pelos números e aproximar seu resultado do factível.

Em vez de um experimento analítico puro, onde você corre o risco de falhar profundamente em suas previsões graças à uma série de variáveis não consideradas e difíceis de expressar através de algoritmos e fórmulas, o que você tem é um fator de ponderação que equilibra esses resultados, aliado à Inteligência de Negócios criada.

Querem um exemplo prático? Vamos lá.

Suponha que você queira desenvolver um Tactics. Suas referências são Final Fantasy Tactics, Fell Seal e Shadowrun Returns, por exemplo.

Muito bem. Agora é necessário entender se todas as suas referências são Benchmarkings válidos. Vamos ignorar, no momento, que eles possuem plataformas e períodos de lançamento totalmente distintos e focar somente no que cada um deles entrega para seus jogadores.

Final Fantasy Tactics é um JRPG por definição. Isso implica em uma narrativa linear onde você acompanha a jornada de seu personagem, muito mais do que é responsável por criá-la.

Ao mesmo tempo, é um jogo que oferece diversas opções estratégicas enquanto o balanceamento dele se mantém, mas ele permite a exploração do sistema de jogo para criar personagens muito mais poderosos do que a média.


Não pense muito na ideia de End Game para FFT também, ele não funciona para isso e quem já jogou sabe que a ideia central do jogo oferece valor de verdade somente até os créditos.

Fell Seal é um “Sucessor Espiritual” de FFT, o que deveria colocá-lo muito próximo da Proposta de Experiência de seu antecessor, mas não é exatamente isso que acontece. Seu balanceamento é muito mais rígido, mantendo inimigos próximos do poder do jogador por muito mais tempo, além de ter opções que conseguem mexer com suas regras fundamentais em vários níveis. Isso cria uma sensação de maior emergência, ameaça e risco para as decisões de jogo.

Apesar dele também contar uma história bem clara, o grau de customização e a possibilidade de criar diversos personagens oferece um fator roleplaying e de imersão mais profundo do que FFT.

Por fim, o que Fell Seal oferece em termos de customização de classes é algo ímpar, permitindo um nível de variabilidade e composição estratégica que consegue ser ainda mais denso que Final Fantasy Tactics.

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Final Fantasy Tatics | Imagem: reprodução

Shadowrun Returns faz parte de uma escola totalmente diferente de Tactics. Ele é um jogo Ocidental, baseado em uma IP Ocidental e com conceitos que ressoam fortemente com esse público.

Para começo de conversa, ele abraça a proposta de ser um RPG com muito mais vontade, ramificando sua narrativa e permitindo interações com NPCs e com o mundo de uma forma que nem FFT e nem Fell Seal chegam perto de fazer.

Além disso, a relação que o Jogador cria com seu Shadowrunner é muito mais individual, fruto de um sistema de customização básico, porém eficaz, uma progressão baseada em escolhas significativas que afetam a interação em combate e fora dele.

Enquanto os outros dois jogos focam seu aspecto Tactics em ampla variedade de habilidades e possibilidade de explorar um Power Creep, Shadowrun Returns foca na variedade de opções estratégicas, o que é diferente.

Posição dos Personagens, interações com o cenário e o fruto de escolhas limitadas de melhorias se unem para criar situações onde dificilmente o Jogador se encontra com vantagem diante dos seus adversários se ele não souber ler o ambiente ao seu redor (ou tiver interagido de forma diferente dez minutos antes com um NPC que mudará totalmente o rumo da batalha).

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Shadowrun Returns | Imagem: reprodução

O que esse resumo sobre os três jogos significa? Bom, primeiro que você encontraria os três juntos em pesquisas de Tags comuns. RPG, Tactics, Character Customization, Fantasy, essas e mais algumas são aplicáveis para os três casos, mesmo que eles sejam jogos essencialmente diferentes.

Ok, agora o que isso significa para você? Que é importante entender exatamente onde no espectro você se encontra para conseguir realizar uma análise aprofundada, comparando mais do que o que o seu jogo é, mas o que ele entrega para o Jogador e como seus concorrentes entregam algo semelhante.

Seu Tactics é um jogo com profundas características de JRPG? Você pretende oferecer um sentimento de agência e importância para seus Jogadores através de uma narrativa linear ou ramificar as possibilidades que ele pode influenciar o mundo? Pretende atrair seus Jogadores através de uma estética característica que vá imergir ele em um universo específico?

Cada resposta irá afunilar e jogar seu produto para algum ponto do espectro. Mais do que isso, elas irão abrir ramificações que você não pensou inicialmente, mas que devem ser considerada.

Quer fazer um Tactics que entregue uma experiência estratégica profunda em conjunto com uma narrativa Cyberpunk ramificada e imersiva?
Ótimo, Shadowrun Returns é realmente um Benchmarking extremamente forte, mas provavelmente você vai encontrar sinergia maior com jogos como Deus Ex do que Final Fantasy Tactics.

Isso acontece porque a experiência que você está querendo apresentar também pode ser encontrada em um Deus Ex da vida, já que mesmo sendo um FPS, há uma variedade de estratégias que podem ser construídas para solucionar cada situação, além de um potencial de imersão e ramificação narrativa que é clássico para esse tipo de temática.

Enquanto isso, Final Fantasy entrega uma estrutura que, à primeira vista parece igual, quando na verdade é bastante diferente na forma como seu Tactics funciona e não tem absolutamente nada relacionado à forma como você busca trabalhar a narrativa.

O que fica de lição nesses casos é a recomendação de se fazer um Benchmarking que seja mais profundo do que uma análise pura de dados baseados em Tags. Jogar os jogos que são referência e realizar a Análise de Proposta de Experiência buscando entender quais outros produtos possuem sinergia com o seu irá ajudar a encurtar a distância entre previsões absurdas e resultados realistas.

Claro, há muito mais envolvido. Existem outros parâmetros para trabalhar e construir um Benchmarking completo, assim como cuidados adicionais ao se fazer uma Análise de Proposta de Experiência, especialmente porque isso envolve uma compreensão profunda do Design do projeto e um certo desprendimento.

O resumo da ópera, além de toda a metáfora sobre Determinístico vs Estocástico, é que você deve entender de fato sobre o que é o seu jogo, não como ele parece ser. Óbvio que a primeira impressão vale, mas a segunda, terceira e quarta é que ditarão como ele vai se comportar em uma cauda mais longa, como ele será recebido pela crítica e como o fandom irá reagir ao produto ao longo do tempo, coisas que impactarão diretamente no próprio estúdio e na saúde do seu negócio.


Arison Heltami

Arison Heltami

Designer de Jogos com formação multidisciplinar nas áreas de UX Design, Gestão de Projetos, Programação e Psicologia Cognitiva, aplicadas com foco em experiências lúdicas digitais e analógicas.

SOBRE NÓS

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Desde 2014, a GamePlan é o destino para desenvolvedores, publicadoras, empreendedores e empresas da indústria de jogos que estejam atrás de Desenvolvimento de Jogos (serious games, co-desenvolvimento internacional, e jogos autorais), Gamificação, Desenvolvimento de Ecossistemas.

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