Imersão nossa de cada dia

Imersão nossa de cada dia

Pense em um jogo que você considere muito bom, aquele em que você passou horas para zerar, que virou a noite jogando, que chorou, riu e até bagunçou um pouco sua rotina para que você conseguisse jogar mais. O que ele tem que o torna tão bom e te faz querer jogar tanto?

Algumas respostas que podem surgir são os gráficos, a história, a jogabilidade, o áudio ou tudo isso e mais em conjunto, mas como essas coisas conseguiram fazer com que você gostasse tanto do jogo ao ponto de se perder no tempo durante a jogatina?

Temos uma palavra chave para isso, e ela é imersão. Claro, parece um clichê e você certamente já usou essa palavra antes, mas nesse artigo vamos desmistificar um pouco o conceito de imersão e que cuidados podemos tomar para deixar os jogos mais imersivos.

Mas o que é imersão exatamente?

Primeiramente, imersão pode ser erroneamente interpretada como algo que só acontece em jogos de Realidade Virtual ou Realidade Aumentada, já que estamos quase que literalmente dentro do universo do jogo, ou pelo menos fisicamente interagindo com eles, mas a verdade é que imersão vai muito além de milhares polígonos em um 3D espetacular ou caros dispositivos de realidade virtual.

Imersão, ao pé da letra, quer dizer mergulhar, estar imerso em algum líquido, e quando trazemos essa expressão para games podemos usar esse conceito também. Quando estamos mergulhados em água tudo muda: nossa visão, a forma que nos movimentamos, não podemos respirar, a audição fica diferente, nossa percepção de mundo muda completamente. O mesmo acontece se nós imergimos em um jogo. Nossa percepção de tempo é alterada (quantas vezes você ficou surpreso com o horário em que finalmente fechou determinado jogo?), a forma como interagimos com o mundo também (afinal você se movimenta através dos inputs do jogo), até mesmo nossas identidades são diferentes quando deixamos de usar nossos nomes e nos referimos uns aos outros pelos nicks do jogo.

E como fazemos isso? Como criamos jogos que deixam as pessoas imersas?

Esse deve ser um trabalho conjunto de todas as frentes de produção do jogo: áudio, arte, game design e narrativa. O ambiente do seu jogo deve induzir o cérebro do jogador a acreditar que aquela é uma experiência plausível, que permita que o jogador vivencie aquilo que ele está jogando. 

Em termos de áudio, isso quer dizer que cabe ao sound designer criar a experiência de conduzir o jogador aos sentimentos desejados durante a gameplay: criar o balanço de áudio perfeito entre sound effects, música de fundo e narração, usar músicas que instiguem medo, alegria, tristeza ou qualquer outro sentimento no momento em que o jogo quiser evocar essa emoção. Muitas vezes deixamos os sons dos jogos guiarem nossos sentimentos sem perceber, o que é uma forma de imersão.   

Feedbacks sonoros de ações do personagem, sons mais tensos quando se está chegando perto de um boss ou objetivo mais difícil, sons alegres e de conforto ao terminar uma fase, todos esses fatores são essenciais para nos guiar através de uma experiência imersiva.

como ganhar dinheiro com jogos

No que diz respeito a arte do jogo, deve ser cuidadosamente trabalhada para transportar visualmente o jogador ao mundo criado pelos devs. Isso inclui muita pesquisa e referências dos lugares e momentos abordados pelo jogo. Se seu jogo se passa nos anos 60 mas o carro do protagonista só começou a ser produzido em 1980, por exemplo, isso pode incomodar um jogador que conheça muito sobre carros e atrapalhar seu processo de imersão. As cores e objetos utilizados durante a gameplay também devem ter o cuidadoso processo de induzir sentimentos ao jogador.

Quando falamos sobre narrativa normalmente pensamos em um arcos repletos de história, início, meio e fim, grandes complicações e um final épico, mas apesar de ajudar no processo de imersão a narrativa não precisa necessariamente existir dessa forma. Muitos jogos, especialmente os que fogem do conceito de grandes aventuras lineares, se sustentam com narrativas emergentes ou mesmo narrativas não aparentes, que se escondem durante a gameplay mas existem somente a nível de guiar o jogador. Em Minecraft, por exemplo, não existe uma narrativa aparente e linear ao pé da letra, e ainda assim é uma experiência imersiva justamente por permitir que o jogador crie sua própria narrativa.

A narrativa e o game design devem andar juntos para construir um ambiente ainda mais imersivo para o jogador, já que a narrativa vai contar uma história para ele e o game design vai fazer com que ele viva essa história. Bons jogos são aqueles que casam a narrativa e o game design. A narrativa deve ser factível e consistente, evitando ao máximo erros de continuidade, e deve ser preferencialmente contada pelo jogador a partir da experiência do jogo, e é aí que entra o game design.

O game design do jogo deve ser capaz de contar a narrativa, de forma que a experiência de jogo seja o mais imersiva possível. Isso deve ser feito através do level design, que pode contar histórias ao longo do percurso do jogador, e também através de mecânicas que reflitam na narrativa principal do jogo e do personagem.

Um dos maiores desafios do game design quanto a imersão do jogador é que muitas decisões de design podem acabar quebrando esse processo. Se o objetivo da imersão é fazer com que o jogador se sinta parte do jogo a ponto de levar ele a sério, coisas comuns em jogos como HUDs, placares, informações de dano, tutoriais e até mesmo menus podem diminuir o senso de imersão, já que elas te lembram o tempo todo “isso é um jogo e aqui temos parte dele”.

game design



Para evitar isso, todos esses detalhes devem ser pensados para também combinar com a mecânica e narrativa do jogo, quanto mais as informações parecerem com o mundo do jogo, menos quebra temos na imersão. Os tutoriais, na medida do possível, devem ser integrados ao design do jogo, ensinando o jogador os controles e mecânicas a medida que ele avança, criando também uma curva de dificuldade prazerosa para ele, mas isso é assunto para outro post. O foco aqui é que criar uma fase que ensine ao jogador o que fazer torna a experiência imersiva, já que não vão existir pop-ups com textos explicando o que fazer, mas sim uma jornada do jogador enquanto personagem. 

Para alguns jogos é possível, inclusive, “camuflar” a HUD como parte do ambiente do jogo, como é o caso de Dead Space e Hellblade: Senua’s Sacrifice. Esse tipo de interface, que chamamos de diegética, apresenta informações essenciais de forma visível e intuitiva dentro de objetos existentes no contexto no contexto do jogo, como o corpo de Senua se tornando mais corrompido a cada morte. 

 Nesse caso é preciso trabalho redobrado para ter certeza que todas as informações necessárias do jogo estão disponíveis para o jogador o tempo todo, como dano, vida, energia restante ou recargas de uma arma.

Todas as pertes funcionam separadas, ou apenas juntas?

Nenhuma dessas partes funcionam sozinhas no processo de imersão do jogo, uma depende da outra para transportar o jogador para um estado de imersão total, onde as percepções dele foram alteradas para as percepções do mundo do jogo. Um trabalho de áudio magnífico pode não ser o bastante para imergir o jogador se o game design não funcionar direito. Todo o processo precisa estar intrinsecamente conectado, de forma que todo o trabalho esteja coerente entre si e o objetivo comum do time seja entregar uma experiência memorável a partir de seus jogos.

É importante ressaltar também que essas dicas servem para jogos hipercasuais, mesmo que a primeira vista não pareça que seja possível imergir neles da mesma forma, e o processo de criar esse jogo de forma imersiva é o mesmo. Sons, arte, game design e roteiro funcionam de formas diferentes em jogos como Candy Crush, mas trabalhar eles em conjunto ainda é essencial para dar ao jogador a sensação de imersão.

Apesar do texto ter como foco jogos digitais, é possível observar e criar a sensação de imersão em jogos de tabuleiros e até mesmo brincadeiras adaptando os processos citados aqui segundo a necessidade.

Imagens por Steve Buissinne and Oleg Gamulinskiy noPixabay

Picture of Bianca Nascimento

Bianca Nascimento

Game Designer formada em Jogos Digitais e apaixonada por desenvolvimento de games. Ajuda jogos a se tornarem experiências memoráveis e adora tudo o que for brilhante e colorido.

SOBRE NÓS

original.png

Desde 2014, a GamePlan é o destino para desenvolvedores, publicadoras, empreendedores e empresas da indústria de jogos que estejam atrás de Desenvolvimento de Jogos (serious games, co-desenvolvimento internacional, e jogos autorais), Gamificação, Desenvolvimento de Ecossistemas.

Aqui, no Compass, nós compartilhamos de forma descontraída nossos pensamentos e experiências a respeito da indústria e do mercado.

CATEGORIAS

GAMEPLAN TOUR

Venha papear com a gente nos eventos relacionados à indústria a seguir e vamos falar de jogos! 

7 a 10 de Julho
Big Festival