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Nujabes e a Beleza nas Pequenas Coisas

Fevereiro marca tanto o mês de aniversário, quanto o 11º ano sem a alegria que Nujabes trazia para o mundo através de sua música. Eu tenho pensado bastante sobre a passagem do tempo e a falta que eu sinto da contribuição do Nujabes na minha vida nesses últimos dias.

Nujabes – nome artístico de Jun Seba – foi produtor musical e DJ e até hoje ele é um dos grandes nomes da música, pelo menos na minha singela opinião. O seu trabalho ainda ressoa em mim mesmo anos depois da sua morte, atuando como um atestado de sua transcendência tanto do tempo quanto do plano físico.

Parando pra pensar aqui, 11 anos é muito tempo, né? Mas posso afirmar que isso passa num piscar de olhos, meus brothers. Pensar sobre essa rapidez toda do tempo em nossas vidas é incrível. Tanto que eu ainda não sei se isso me deixa assombrado ou maravilhado.

Eu me lembro bem de como foi o meu primeiro contato com a música do Nujabes. Era dezembro de 2009 e lá estava eu, jogando Bubble Bobble Plus! no meu Wii pela enésima vez, curtindo o meu recesso, ouvindo playlists aleatórias no youtube quando, de repente, Counting Stars começou a tocar.

É uma música que se conectou comigo logo nos primeiros segundos. Eu nunca tinha ouvido nada parecido até então. Essa sensação se deu graças ao sample da incrível Affirmation, de José Feliciano e da sensibilidade na forma como esse acorde foi utilizado durante toda a música. Claro, eu passei meses sem saber que aquilo se tratava de um sample, de tão bem que ele é incorporado na música, pois ocorreu ali um casamento quase perfeito. Eu só percebi essa jogada depois de ter pesquisado mais a fundo o trabalho do Nujabes.

Counting Stars, produzida pelo Nujabes.

Affirmation, de José Feliciano.

Ao analisarmos este sample é possível identificar uma das marcas registradas do trabalho de Nujabes. Há muito respeito aqui e há também uma extrema reverência pelas músicas sampleadas pelo produtor.

Dá pra notar – até mesmo para um leigo em música como eu – quais foram as inspirações do Nujabes para ele chegar naquele resultado e como toda a estrutura da música foi sendo montada a partir do trecho da música que o tocou profundamente.

Ouvir essa música mudou radicalmente a minha percepção sobre o Hip-Hop, um gênero musical que eu sempre negligenciei pois achava que não era lá muito o meu estilo.

 E eu estava errado sobre isso. Meus brothers, como eu estava errado sobre isso…

Homenagem reproduzida do site rebloggy.com

Até hoje tenho essa sensação de que eu, infelizmente, conheci o trabalho do Nujabes tarde demais. Meses depois de eu ter ouvido Counting Stars pela primeira vez, ele deixaria este mundo – resultado de um grave acidente de carro na via expressa Shuto, em uma noite de fevereiro de 2010 – e isso me causou sensações que eu nunca tinha sentido até então. Essa foi a primeira vez que um artista que marcou profundamente a minha vida tinha falecido… E foi logo depois de eu ter acabado de conhecer e me ter enamorado do seu trabalho. O mundo é injusto com a gente às vezes, meus brothers…

Eu nunca me aprofundei muito nos detalhes sobre o que aconteceu nessa noite de fevereiro de 2010 e nem quero fazer isso, muito menos falar sobre isso. Acredito que estes detalhes mais mórbidos de sua morte só me trariam para baixo e em nada mudaria o legado que Nujabes deixou, portanto, deixo esses detalhes para quem tem apreço por esse tipo de informação. Prefiro falar e exaltar a vida dele, porque é essa sensação de exaltar a vida que eu sinto quando me inspiro com a música do Nujabes.

Um dos trabalhos mais importantes da carreira do Nujabes foi, com toda a certeza, a sua participação na criação da trilha sonora do anime Samurai Champloo. Não vou entrar em muitos detalhes sobre essa animação porque faz séculos desde que eu a assisti – e assisti apenas por causa da trilha sonora com a participação do Nujabes -, então eu só me lembro bem de algumas das cenas onde a música dele serviu como plano de fundo, o que resultaria em um review bem ruim, eu imagino. 

A trilha sonora com a pegada hip-hop do anime é anacrônica por conta da história do anime se passar na época dos samurais, porém não é um anacronismo que causa estranheza. A trilha sonora de Samurai Champloo complementa as suas cenas e potencializa a ação que está ocorrendo durante elas.

Abertura de Samurai Champloo

Falar sobre a música de Nujabes é falar sobre uma música que acalenta até o mais agitado dos corações e que, mesmo assim, nos tira da zona de conforto ao subverter o gênero Hip-Hop com samples no mínimo curiosos. As músicas sampleadas são inesperadas e elas vêm de muitos artistas diferentes, que, como dito anteriormente neste texto, serviram de inspiração para a vida do Nujabes.

Músicas, claro, sempre estarão abertas à interpretação e com o trabalho do Nujabes não é diferente. Então o que você vai encontrar aqui, evidentemente, são as minhas interpretações e sensações que tenho ao ouvir as músicas dele.

Os samples que ele utilizou em suas músicas, de exemplo temos o sample de Affirmation, que já citei aqui no texto e também de outras músicas – como a Tens (Calmaria), de Ivan Lins e interpretada por Nana Caymmi, encontrado na música Luv(sic) pt 3 – auxiliam a criar músicas com uma qualidade etérea, que transita facilmente entre diferentes gêneros musicais, quebrando o molde do Hip-Hop de diversas maneiras.

Tens (Calmaria), interpretada por  Nana Caymmi

A inspiração pela música de Ivan Lins, que foi o principal artista responsável por capturar o interesse do Nujabes pela música brasileira, está muito presente na hexalogia Luv(sic). Este conjunto de 06 músicas narrando o relacionamento de um casal, carregada pelo flow quase sobrenatural da sonoridade de Nujabes e pelas melosas rimas trazidas à vida pela voz de Shing02 (amigo próximo e colaborador frequente nas músicas de Nujabes) é uma prova cabal de como a música do Nujabes celebra o efêmero, os pequenos momentos, e traz à tona a beleza de tudo aquilo que a gente costuma ter como garantido na vida.

A serenidade no olhar de quem fez os hip-hops mais de boas da história. Foto por Yosuke Moriya

Eu não vou analisar essa coletânea música a música aqui porque eu tenho meus vieses e também não gostaria de influenciar na experiência de quem vai experimentar essa hexalogia pela primeira vez (e eu super recomendo vocês ouvirem, tá no spotify se você quiser conhecer!). Eu vou, porém, falar sobre uma música em particular presente nela.

Enquanto Counting Stars me fez conhecer o trabalho do Nujabes, Luv(sic) pt2 trouxe à tona todo o seu potencial em construir uma música extremamente sensível dentro do Hip-Hop. Através de um sample da música Qualquer Dia, de Ivan Lins e da declaração de amor aos momentos que um casal passou junto na forma de rimas cantadas por Shing02, Nujabes demonstra o apreço que ele possui pelas pequenas coisas, coisas essas que têm o poder de fazer dos nossos dias melhores ao se tornarem boas memórias. 

Luv(sic) pt 2, produzida por Nujabes, com vocal de Shing02

Qualquer dia, de Ivan Lins

A letra de Luv(sic) pt 2 remete ao sentimento de provocar o sorriso em pessoas queridas, as boas memórias dos gestos que, a princípio, passam despercebidos pelo nosso dia, mas que trazem uma saudade indescritível anos mais tarde quando nos lembramos deles em um momento aleatório de nossas vidas – uma saudade que é boa, que preenche o coração com boas sensações -. Ela remete até mesmo à divindade contida em cada pessoa, demonstrada através de gestos mundanos durante o convívio em nossos diferentes círculos sociais.

O amor de Nujabes pela vida, pela relação interpessoal e pela beleza do que, à primeira vista, é pequeno e corriqueiro atinge seu ápice em Luv(sic) pt2. E eu não consigo deixar de admirar essa música e quem a produziu por isso. Essa música nunca falha em me preencher de saudades por tudo aquilo que um dia eu já tive e de gratidão por tudo aquilo que ainda tenho.

A letra de Luv(sic) pt2 termina dizendo que as rimas curam porque ele acredita na música (the rhymes will heal, ‘cause I believe in music / in times of need I won’t leave you sick.) e essa é uma frase que dialoga muito comigo. Não que as rimas dessa música tenham me curado de algo literalmente, longe disso, mas a memória emocional que ela me traz desses últimos 11 anos da minha vida certamente ajudou em muitos dos meus processos de cura. Eu poderia dizer que as músicas do Nujabes aceleram o meu processo de resiliência, mas é mais que isso.

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A música de Nujabes é isso e muito mais pra mim.

Todo o trabalho de Nujabes me faz pensar sobre espiritualidade e formas de manifestá-la de uma forma que seja bela e positiva. Eu não me considero religioso, meus brothers, mesmo com a minha formação católica. Por isso não me sinto compelido a expressar a minha fé dentro dos cultos de religiões institucionalizadas, porém, músicas como essas me fazem crer que existe sim algo bom, olhando por nós e cuidando de nós em algum lugar que nunca conseguiremos alcançar. Eu acredito que a música é uma expressão muito bonita de fé – seja ela qual for – devido ao seu alcance universal, e porque ela sempre traz à tona algum tipo de mensagem. Minha interpretação da carreira do Nujabes é que ela me trouxe muito amor, paz e sensibilidade.

É uma pena não termos mais o brilhantismo de Nujabes entre nós e eu sinto a sua falta sempre, mas eu tenho plena convicção que o seu legado continua. Seja pela sua inspiração a artistas de chill hop e lo-fi, seja pelo respeito e carinho pela marca que ele deixou na indústria da música. Já para esse autor aqui, o legado dele vai muito mais além da indústria da música. Eu consigo sentir o legado do Nujabes na minha vida durante os meus dias mais serenos, nos dias em que eu sinto gratidão genuína, nos dias que eu encontro algum motivo para sorrir por menor que ele seja. Porque são dias assim que mais resgatam as sensações que eu tenho ao ouvir sua música.

Eu sei que não tem como fazer jus ao que o Nujabes significa para mim e nem para a indústria da música com um texto, mas mesmo assim eu sinto tanta gratidão por tudo o que ele fez durante a sua breve vida que eu não quis deixar esse fevereiro passar em branco. Uma lição que aprendi com a vida e música do Nujabes é que a gente tem que aproveitar sempre a vida ao máximo e com o máximo de positividade que a gente conseguir, aproveitar, principalmente, os pequenos momentos pois são esses momentos que possuem um poder e uma influência enormes em nossas vidas.

Não sei se vamos para algum lugar depois de morrermos, mas se for esse o caso, eu espero que você esteja bem, Jun. E onde quer que você esteja, eu espero que você continue inspirando e trazendo positividade para todos, do mesmo jeito que você fez em vida… Espero que você esteja descansando de uma forma tão chill quanto suas músicas. Obrigado por tudo. 

Homenagem feita por Quentinr. Nujabes deixou muitas saudades.

José "Quinho" Lisboa

José "Quinho" Lisboa

Quando não está passando pela síndrome do Tetris, está analisando gráficos, dados e números sobre o mercado de games... Antigamente para xingar muito no twitter, agora para atuar profissionalmente.

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