para que existem os reviews

7.8/10, Too Much Water: Para que existem os reviews?

As resenhas críticas têm um papel já consolidado no jornalismo, especialmente no campo das artes. Considerando a evolução do videogame em suas qualificações técnicas como uma plataforma narrativa, foi uma trajetória natural que o jornalismo começasse a se debruçar nessa “nova” mídia e torná-la objeto de cobertura. De fato, apesar de a editoria originalmente atrelada a ela ser a de tecnologia, é com a editoria cultural que mais se assemelha. Assim, tornou-se natural que os videogames começassem a ser resenhados de forma crítica, analisados tecnicamente dentro de suas competências, da proposta ao que foi executado.

Com o advento da internet, esse papel do jornalismo crítico passou a ser questionado — pudera, hoje em dia não só o jornalismo crítico é questionado, mas toda a prática de gatekeeping da informação em si. No passado, ele se mostrava útil pela escassez do fluxo de informação. As revistas serviam para descobrirmos mais sobre os novos jogos anunciados através de imagens low-poly visualmente impressionantes e em baixíssima resolução para os padrões atuais, com textos preview com informações trazidas com um ou dois meses de atraso, acumuladas ao longo de todo o processo de pré-lançamento ou simplesmente com opiniões de jornalistas privilegiados que conseguiram jogar uma build prévia em algum evento internacional.

Caso estivéssemos em dúvida ainda, esperaríamos um review com as opiniões do dito cujo acerca do produto recém-lançado. Na preguiça de ler, era só ir até o final do texto e dar uma olhada na nota final atribuída ao produto que muitas vezes acompanhava um resumo com os prós e os contras.

Pois bem, hoje em dia, o jogador está muito mais próximo das próprias empresas sem necessitar desse porteiro da informação. A Nintendo e a Sony realizam seus próprios showcases virtuais e os furos jornalísticos se tornaram cada vez mais raros por conta disso. Por consequência, o jogador não precisa de um texto escrito explicando a sensação transmitida por um jogo: ele mesmo consegue ver os próprios gameplays em vídeo ou, melhor ainda, a facilidade da internet e dos mercados virtuais nos permite nós mesmos testarmos versões preliminares dos títulos.

Dito isso, qual é a real justificativa por trás dos reviews?

Certo, do ponto de vista do desenvolvedor, vários veículos falando do jogo servirão como uma estratégia de buzz, quase como uma Agenda Setting, cuja teoria, se descrita de maneira superficial, implica que a mídia pauta o assunto do momento a ser discutido na esfera social. Por outro lado, e do ponto de vista do público, já que ele mesmo está muito mais próximo dos lançamentos e o intermédio torna-se desnecessário?

Em 1998, o The Economist publicou uma espécie de enquete com os artistas participantes do Festival de música de Edimburgo, na Escócia, a respeito do que eles mudariam em suas apresentações já feitas no ano anterior. O levantamento constatou não só que os críticos, de um modo geral, eram concordantes entre si em suas críticas, como também mostrou que 80% apontamentos dos feitos pelos próprios artistas a respeito sobre o que teriam corrigido em seus shows também batiam com as críticas feitas[1].

Dito isso, a crítica tem como papel fundamental de trazer pontos de vista alternativos e muitas vezes técnicos a ponto de fazer o leitor pensar em aspectos que ele muito provavelmente não tinha pensado. A opinião do crítico, do bom crítico, não se resume apenas a um “gostei” ou “não gostei”. Aliás, a opinião do crítico em si nem deveria importar, uma vez que a própria argumentação dentro dos conceitos teóricos, quando aplicados, deveriam determinar a qualidade do produto, valendo também para o videogame.

Apesar de a crítica especializada da imprensa estar com a moral em baixa em pleno século XXI, é importante ressaltar que, na verdade, o papel da crítica apenas teve uma reformulação pontual na era da opinião alienada. Assim como a definição moderna neologista da palavra Fake News diz respeito a notícias estrategicamente fabricadas no intuito de concordar com a opinião não-racional e muitas vezes errônea de um indivíduo, a crítica hoje adquiriu um significado de massagem próprio de ego.

Para que existem os reviews

Assim, não são os veículos que são seguidos mais por suas críticas. São influenciadores com seu próprio público. Essa audiência, especificamente, acompanha seu Youtuber favorito simplesmente porque ambas as partes muitas vezes têm opiniões concordantes, mesmo que tecnicamente errôneas e carentes de conteúdo. As próprias marcas perceberam essa espécie de mina de ouro ao cooptar os influenciadores certos que irão reduzir a análise em um gostei ou não gostei e atingir o público de maneira muito mais incisiva.

Mais do que isso, o público hoje não acompanha reviews para formar a própria opinião ou pensar mais a respeito do produto. O público acompanha reviews para saber quais deles vão de acordo com sua própria opinião formada. Mais uma vez, são as bolhas de opinião centralizadas e direcionadas em um único sentido. Não há conflito de ideias e conceitos que poderiam intensificar o debate e, assim, gerar um novo significado para um eventual videogame.

É por isso que, apesar de controversos, agregadores como o Metacritic e o Rotten Tomatoes acabam servindo de termômetro para analisar a consistência técnica sobre as peças que são analisadas. Eles seguem a lógica construída pelo exemplo do Festival de Edimburgo, apesar de reduzí-las à dicotomia do bom/ruim ou a uma escala de zero a dez que pouco diz a respeito das especificidades de cada obra.

Os Reviews, portanto, passaram por uma espécie de ressignificação e recentralização, saindo da imprensa para os influenciadores em bolhas de opinião. Obviamente, muito do valor se perde no aspecto técnico da análise, já que enquanto as críticas tinham um espaço restrito nos poucos veículos em circulação. Com a internet, reviews operam em números massivos e a expertise técnica — que no cinema tiveram inclusive alguns nomes eternizados, como Joel Siegel, Roger Ebert e Gene Siskel ou, no Brasil, como o Rubens Ewald Filho — acaba se esvaindo em detrimento da superficialidade promovida por um “gostei” ou “não gostei”.

E então temos a resistência

A resistência para com veículos especializados de grande porte, inclusive, chegou ao nível do “porque sim”. Um exemplo é o emblemático caso do Pokémon Omega Ruby/Alpha Sapphire. Nele, um dos contras apontados pelo review a respeito do jogo é a existência excessiva de rotas aquáticas onde é necessário utilizar surf para percorrê-las. A IGN tem, de fato, seus inúmeros problemas como veículo.

Nesse caso, contudo, o deboche foi um pouco gratuito porque “too much water” sempre foi um problema apontado para a terceira geração de Pokémon e, por consequência, aplica-se também aos seus remakes, já que se trata de um erro conceitual na ideia compartilhada por ambos os títulos (original e remake).

Ou seja: houve uma concordância com um defeito que sempre foi apontado pelos fãs — a exemplo do Festival de Edimburgo, mais uma vez. A abnegação para com a crítica em sua forma tradicional é suficiente para fazer com que o seu próprio público mudasse de opinião só para torná-la errada.

De um modo geral, o papel dos reviews pode parecer desmoralizado e de pouca importância, mas ele continua aí. Você não adquire um produto da Steam se a opinião dos usuários for negativa, por exemplo. Se o seu influenciador favorito não recomenda por quaisquer que sejam os motivos, sejam eles fundamentados ou não. É da nossa natureza querer saber mais a respeito sobre o que consumimos, a diferença é que analisamos com muito menos senso crítico a própria crítica feita pelo especialista e nos deixamos levar pela emoção de nossa própria bolha de opinião. 

E aí é quando a gente novamente começa a questionar a expertise técnica para tal, nessa era de reviews massificados. Isso sem contar a questão do hype que influencia essa galera e sobre o aspecto de RP terceirizado que acomete o jornalismo de games, mas essas conversas ficam para outro dia.


[1] PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. São Paulo: Editora Contexto, 2013. 
Imagens por mcmurryjulie e mohamed Hassan

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