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Quebra-cabeças, Trilhas Sonoras e Locadoras

Todos nós temos aquele jogo, meio desconhecido, que a gente sente que apenas nós jogamos, mas que amamos profundamente, né?

Eu tenho alguns desses e poderia falar por horas sobre cada um deles, mas para a sorte do nosso assíduo leitor, eu vou focar em apenas um no artigo de hoje. O jogo Jigsaw Party, de Super Nintendo (ou, como é conhecido fora do Japão, Pieces).

Jigsaw Party é um jogo que faz parte da minha história por ele fazer parte da minha infância de uma maneira profunda. Eu nunca entendi muito bem o tamanho do meu carinho por esse jogo, e eu tenho pensado nele – e jogado ele também – com certa frequência nesses últimos meses. 

Tá, mas primeiro, vamos falar sobre o que é de fato Jigsaw Party. Esse é um jogo de Super Nintendo cujo objetivo é montar quebra-cabeças diversos sozinho, contra a Inteligência Artificial ou montá-los enquanto você joga  contra ou cooperando com outra pessoa.

Sim. É só isso mesmo.

Eu juro pra você que é simples assim.


Gameplay simples e efetivo!


Os anos 90 eram malucos, né? Imagina isso ser considerado um jogo premium… Ah… Eu sinto falta desse tipo de design sem pé e nem cabeça na indústria de games. Sinto MUITA falta…

Lembra da época que alugávamos fita? Provavelmente quem tem menos de 30 anos não se lembre, porém isso era uma coisa que eu fazia constantemente quando eu era criança. Para os jovens que nos lêem, eu vou ter que abrir um parênteses aqui no meu artigo sobre Jigsaw Party para explicar o funcionamento de uma locadora de fitas de vídeo game, porque é importante para o entendimento do restante do texto.

Pois bem. Uma locadora de videogames era um comércio  que disponibilizava diversos títulos para diversas plataformas de video game as quais um consumidor, devidamente cadastrado na loja, poderia locar por uma quantidade X de tempo mediante a pagamento de uma quantidade Y de reais, e esse valor variava demais de locadora para locadora.

Eu alugava fitas de videogame semanalmente, ou quase toda semana. As minhas locadoras preferidas eram 2 que ficavam relativamente próximas da minha casa, a Tatsu Games (uma locadora meio pequena e relativamente longe de casa, que eu não ia muito) e a Hot Games (a minha preferida, e que existe até hoje, inclusive, claro que o modelo de negócio dos caras não é mais aluguel de fitas.).

Toda quinta-feira ou sexta-feira eu ia até a Hot Games para alugar fitas, o dia da semana que eu colava lá dependia das promoções que eles faziam. Eu ainda me lembro do número da minha ficha de cadastro na loja, que eu tinha que fornecer toda vez que eu alugava alguma coisa. O meu número de cadastro era o 241.

A História da Hot Games é importantíssima para o meu desenvolvimento como gamer porque ela participou ativamente dos meus anos de formação. Foi graças ao catálogo de games disponível nessa locadora nos anos 90 que o meu gosto para games se moldou. Eles eram uma locadora com uma coleção relativamente grande de jogos que iam desde o Nintendinho, passando pelo Master System, Super Nintendo e Mega Drive (e consequentemente de consoles mais modernos também, com o passar dos tempos).

Jigsaw Party foi um desses jogos que participaram dos meus anos de formação. E eu só sei da existência desse jogo porque um dia ela apareceu na minha locadora de video games e estava disponível para locação. 

Eu tinha uns 6 ou 7 anos de idade, mais ou menos, e tinha acabado de ganhar um Super Nintendo. Na época eu só tinha o Super Mario World para ele, então sempre alugávamos fitas para jogarmos no fim de semana (eu e meu irmão, na maioria das vezes, mas meus pais jogavam raramente também). 

Em uma dessas semanas, eu era o responsável pelo aluguel das fitas (geralmente alugávamos uma ou duas… Nessa semana alugamos duas.) e eu já tinha escolhido Star Fox como a primeira fita a ser locada. Na escolha , eu me lembro de passar o olho pelas diversas caixas de jogos disponíveis para locação e me deparar com algo que eu nunca tinha visto antes.

A boxart do jogo era de uma peça de quebra-cabeças sendo perseguida por uma vassoura. Eu achei interessante, poderia ser um platformer legal? Talvez. Acabei alugando sem pensar muito sobre o jogo. Se fosse ruim, ao menos eu tinha Star Fox garantido, que eu já sabia ser um jogo que me agradaria.

Fui enganadinho BR pela boxart.

Quando voltamos para casa, eu fui direto testar o jogo novo que eu aluguei. O logo de Pieces veio pulando em minha direção e pronto. Eu estava me preparando para… Montar quebra-cabeças no meu super nintendo…?

É…. Eu não me animei muito no começo não, eu vou ser sincero. Mas à medida que eu fui jogando o modo single player, contra oponentes controlados pela Inteligência Artificial, e depois indo para o All Play, onde você só montava diferentes imagens de quebra cabeça com regras que você mesmo selecionava, algo clicou em mim.

Jogar Jigsaw Party é uma experiência profundamente relaxante, e esse jogo consegue preservar essa essa característica até hoje quando eu decido jogá-lo novamente. 

Ser gamer no Brasil durante a primeira metade da década de 90 era um enorme território a ser desbravado. O acesso à informação era extremamente limitado por conta da pouca difusão da internet no país e as revistas de videogame disponíveis em bancas não davam conta de cobrir tudo o que estava acontecendo em relação a lançamentos da indústria. 

As locadoras de games eram uma fonte muito rica para conhecer jogos novos através da oferta da loja, mas não apenas isso. Era possível extrair informações sobre lançamentos, dicas de jogos, quais jogos eram bons e quais eram ruins simplesmente conversando com os funcionários e outros clientes que porventura também estavam lá para alugar fitas de videogame. Parando aqui para pensar, era quase um clube.

Esse clube era um que eu frequentava com certa regularidade, mesmo quando não alugava fita nenhuma naquela semana, e muitos amigos da minha rua também iam para a Hot Games, um lugar onde a gente poderia jogar em máquinas de fliperama, alugar um console por 01 hora para jogar as novidades sem levar o jogo para a casa e só papear no final de tarde mesmo. 

E mesmo assim, ninguém falava sobre Pieces. Na verdade ninguém ligava de falar sobre Jigsaw Party. Mesmo eu mostrando o jogo pra todo mundo e até mesmo jogando com eles por anos, nenhum dos meus amigos ou conhecidos da época ligava pro jogo. Não ligam até hoje, na real.

Eu desconfio que Pieces foi o meu primeiro contato com um jogo realmente de nicho, cujo interesse do público, mesmo dentro da bolha gamer, é pífio, isso se existir alguém que se lembra ou até mesmo aprecia esse jogo além de mim.

Eu acho também que, passado esse tempo da minha infância, eu nunca mais falei sobre Pieces com ninguém, é um jogo que eu me pego jogando vez ou outra, mas eu nunca mais senti a necessidade de falar sobre ele pois ninguém que eu conheci se interessou e eu sei que ninguém que eu conheço agora se interessa sobre Pieces, mesmo já tendo jogado ele.

Mesmo assim ele tem algumas histórias interessantes sobre seu desenvolvimento. O que eu quero abordar neste texto de hoje é um aspecto de Pieces que mais está interligado com a minha principal memória afetiva com games, a trilha sonora.

Sim, eu amo a música de Pieces, especificamente a faixa da trilha sonora simplesmente chamada de Puzzle Music 03.

Senhoras e senhores, a Puzzle Music 03.


Essa música é uma valsa. E eu sempre fui encantado com a decisão de incluir uma valsa em um jogo de video game sobre montar quebra-cabeças. Eu não sei bem dizer o porquê de eu amar tanto essa faixa especificamente, mas eu acho ela muito bem construída e muito bonita também. A Puzzle Music 03 é um contraste em relação às outras faixas da trilha sonora de Pieces no sentido que ela é uma música tranquila, enquanto as outras são bem mais animadas.

Uns dias atrás eu estava varrendo a internet em busca de mais informações sobre o jogo depois de uma breve sessão de jogatina, já que eu percebi que não sabia praticamente nada sobre o desenvolvimento e quem são as pessoas envolvidas com esse projeto. Procurei saber e acabei encontrando muito mais do que eu esperava.

E sim, a gente vai entrar, de novo, naquela parte dos meus textos que eu falo sobre o que eu sinto sobre um determinado produto, ou sobre uma determinada faceta desse produto, ou sobre uma coisa que pode até ser insignificante desse produto, porque foi essa sensação que tive nos dias que realizei esse mergulho mais a fundo na história do desenvolvimento de Pieces que me inspirou para escrever esse post.

Para começarmos essa prosa, o pedigree de Pieces é relativamente alto, uma vez que ele foi o primeiro jogo desenvolvido pela Nippon Ichi. Sim, A Nippon Ichi Software, desenvolvedora dos jogos da série Disgaea, A Nippon Ichi Software America distribuidora da série Atelier e Danganronpa. Enfim. Pieces foi o primeiro jogo do estúdio, quando ele ainda se chamava Prism Keikaku.

Como primeiro título do estúdio, publicado pela Hori no Japão e pela Atlus no ocidente, eu achei muito interessante e extremamente arriscado fazer um jogo sobre montar quebra-cabeças, já que isso ia de encontro com os gostos do público da década de 90. O jogo seria uma venda difícil para os consumidores do Super Nintendo.

O jogo foi considerado um sucesso de crítica e eu arrisco assumir que também foi satisfatório em vendas para a Nippon Ichi Software, uma vez que a empresa continua ativa até hoje, apesar da mudança de nome.

Agora que já conhecemos um pouco da história de quem estava por trás do lançamento deste jogo, vamos aumentar um pouco a granularidade dessa informação, porque lembra que eu comentei sobre a trilha sonora do jogo ser uma das minhas coisas favoritas nele? Pois bem, eu quero falar um pouco sobre o compositor dela.

Nos créditos, o compositor de Pieces é conhecido apenas como Nobuyuki. Sim, não é nada fácil achar informações sobre as equipes que desenvolviam jogos nessa época, a maioria usavam pseudônimos, abreviações, apelidos, etc., nos créditos.

Nobuyuki Hara, compositor do jogo Pieces não é um nome dos mais conhecidos no meio, admito, e seu trabalho é sempre relegado a auxiliar de nomes maiores, como o Naoki Kodaka dos tempos que ele passou na Sunsoft.

Naoki Kodaka é um senhorzinho de muito respeito hoje em dia! Imagem retirada do site Videogame Music Preservation Foundation

E foi através de uma entrevista dada pelo Naoki Kodaka e postada no site Shmuplations (que pode ser encontrada aqui: http://shmuplations.com/sunsoftmusic/ ), sobre as músicas que eles criaram durante a sua estadia na Sunsoft que eu conheci um pouco mais sobre o trabalho de Nobuyuki Hara e que ele havia falecido em 1995 de uma doença inesperada.

Foi chocante. Menos de 1 ano após o lançamento de Pieces, o seu compositor morreu. Eu senti o meu coração afundar lendo isso e, durante essa entrevista, Naoki Kodaka conta como Nobuyuki ficava animado com o trabalho deles na época que ele era um simples engenheiro de áudio na Sunsoft. 


Kodaka lembra com carinho o entusiasmo do colega que sempre dizia coisas como:

🙶Kodaka, espera só até você ouvir os sons incríveis que eu acabei de criar no Famicom! Por favor escreva uma música incrível com eles!🙷

E então ele ficava lá no escritório esperando a composição sair até o amanhecer e assim que o processo terminava ele sempre exclamava algo como:

🙶Deixa o resto comigo!🙷

Meus broders… Ler isso deixou o meu coração muito preenchido. Hoje em dia Naoki Kodaka é professor e abandonou a carreira de compositor, mas ele leva essa memória carinhosa do Nobuyuki com ele onde quer que ele vá e isso eu acho uma das coisas mais legais e amorosas do mundo.

Nobuyuki faleceu com 25 anos de idade e essa única música que ele criou para um jogo extremamente de nicho foi algo que mexe muito comigo hoje em dia. A Puzzle 3 é uma música que, para mim, representa a infância, representa a maravilha de descobrir algo novo que eu adoro e representa como trilha sonora de video game é maluca, mas dá certo, onde incluir uma valsa para montar um quebra-cabeça é algo que casa bem demais.

Então eu gostaria de dedicar esse artigo ao trabalho de Nobuyuki Hara como engenheiro de som em jogos clássicos como Batman para Nintendinho e principalmente em seu último trabalho como compositor em Pieces.

O trabalho dele com a parte musical da indústria de video games é algo que eu aprecio muito e é uma pena que ele não esteja mais entre nós, quem sabe onde a sua carreira como compositor iria chegar?

Eu espero que, independente de onde ele esteja, que ele esteja em paz. Eu sempre serei grato pelas coisas que ele criou. Seja um soundfont para o Kodaka brilhar durante a era do Nintendinho, seja uma música que representa tanta coisa para mim.

Então é isso… Talvez fique um pouco anticlimático esse final de texto mas eu acho que as minhas emoções e conclusões sobre Jigsaw Party e o que esse jogo representa pra mim ainda são complexas demais para eu desvendar. Quem sabe não volte a esse assunto em um outro texto, quando descobrir algo novo em relação a isso tudo?

É isso, meus broders. Aproveitem os seus joguinhos, mesmo que seja de nicho. Ninguém sabe melhor dos seus gostos do que você mesmo. Seu jogo preferido pode ser algum Zelda da vida ou pode ser Pieces ou até mesmo Ghost Sweeper Mikami para Super Famicom… 

Nenhum jogo é pior por ser pouco conhecido e cada jogo possui uma história incrível de desenvolvimento. Muitas pessoas deram tudo o que tinham em seu desenvolvimento para trazer para o mercado o melhor produto possível e eu acho isso fascinante.

Mas e vocês, meus bons? Você também morre de amores por um jogo super desconhecido? Me conta mais nos comentários ou no twitter, eu amo ouvir essas histórias!

Até a próxima, meus broders, espero que tenham gostado desta pequena maratona sobre o jogo Pieces!

José "Quinho" Lisboa

José "Quinho" Lisboa

Quando não está passando pela síndrome do Tetris, está analisando gráficos, dados e números sobre o mercado de games... Antigamente para xingar muito no twitter, agora para atuar profissionalmente.

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