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Seu jogo é Dark Souls ou Cat Mario?

Com a ascensão de Dark Souls e do próprio gênero souslike, não é raro encontrar jogos que apostam na sua dificuldade como parte vital da mecânica. Vários dos últimos jogos lançados, desde AAA a indies, tem como principal atrativo o fato de terem dificuldade elevada, que levam o jogador ao limite e garantem um número elevado de mortes no percurso. 

Levando isso em consideração, muitos estúdios  decidem se apoderar disso para entrar no nicho da dificuldade elevada, mas não levam em consideração alguns princípios do design que se tornam especialmente importantes em jogos do gênero e acabam criando Cat Marios ao invés de sucessores do Dark Souls.E o que isso quer dizer?

E o que isso quer dizer?

Ambos, Dark Souls e Cat Mario, são conhecidos por terem um nível de dificuldade elevado, mas qualquer um que tenha os jogado não diria que são jogos parecidos. Dark Souls é construído para ser difícil com inimigos fortes, numerosos e recursos limitados, tudo bem amarrado na mecânica e feito para que o jogador entenda como cada inimigo funciona em cada ambiente e, a cada morte, entenda o comportamento desejado para superar cada categoria de adversidade. Os inimigos e desafios são consistentes e não existem surpresas sem explicações.

Já Cat Mario é feito para irritar o jogador. Apesar de, como em Dark Souls o jogador conseguir avançar conforme suas mortes, isso não acontece graças ao padrão de comportamentos do jogo ou por o jogo apresentar a lógica do seu mundo ao jogador, na verdade, é necessário decorar a fase e as adversidades para que seja possível avançar. Isso acontece pela falta de feedback e coerência do mundo do jogo, o que, nesse caso, é proposital.

Com esse overview é possível enxergar o abismo de diferença entre ambos os jogos, então por que tantos estúdios almejam criar jogos difíceis como Dark Souls, mas os jogadores sentem como se estivessem jogando Cat Mario?

O primeiro ponto é que existe uma grande diferença entre um jogo difícil e um jogo cruel, mas é uma diferença tênue e que poucos desenvolvedores conseguem masterizar no design dos seus jogos. Criar um jogo difícil não é diminuir o número de feedbacks, colocar vários inimigos no mesmo lugar ou usar desafios de timing que precisem de precisão absoluta, isso está mais próximo do design de Cat Mario, portanto é simplesmente cruel com o jogador.

Dark souls | Imagem: reprodução

E ai vamos para o segundo ponto, que é entender como entregar isso para o jogador, transformando a dificuldade em algo interessante e transponível, não uma tarefa irritante.

Ser difícil é apresentar todos esses elementos ao jogador, dar feedbacks claros de cada ação e não tornar a dificuldade dependente de frustração, mas sim de masterizar as ferramentas e situações que o jogo entrega.

Feedbacks claros são essenciais quando estamos falando de dificuldade, mas ainda assim muitos desenvolvedores fazem o completo oposto, que é não dar feedback algum. Se o jogador precisa passar por um caminho difícil com plataformas que caem, por exemplo, essas plataformas precisam diferir das mais seguras, seja visualmente, pelo comportamento ou ambos. Fazer plataformas muito semelhantes no intuito de confundir o jogador não tornará o jogo mais difícil de forma prazerosa, somente mais frustrante, já que qualquer distração pode fazer com que o jogador caia, e então, como no Cat Mario, pode acabar virando uma situação de decorar o caminho ao invés de masterizar mecânicas.

Essa lógica deve se aplicar para todas as mecânicas independentemente do gênero do jogo ao querer trabalhar com a dificuldade. O jogador deve conseguir perceber as nuances do ambiente e inimigos e conseguir superá-las sem depender exclusivamente de sorte ou de qualquer sentido físico em excesso. Inimigos com combos parecidos podem ser semelhantes, fraquezas devem ser acessíveis.

Isso não quer dizer que o jogo deva pegar na mão do jogador para ensinar cada aspecto, na verdade, um design bem feito permite que o contrário aconteça: que o jogador desvenda e descubra como cada mecânica e ambiente por si só, o que bem balanceado com os feedbacks deve ser também um dos desafios do jogo.

Dark Souls | Imagem: reprodução

Dark Souls ensina explicitamente apenas suas mecânicas básicas. Caminhos, itens e técnicas são explicadas a partir da experiência do jogador e da interação dele com o mundo, o que só pode ser feito com um forte senso de game design e medido a partir de qual experiência que o desenvolvedor deseja para o jogador. Nem todo jogo difícil precisa ser um Dark Souls, portanto a dificuldade e a forma com que ela interage com o jogador deve ser criada e balanceada para essa experiência única.

Outra coisa a ser pensada é que se há a intenção de um grande número de mortes por parte do jogador, essa morte não deve ser altamente punitiva, o que até mesmo Cat Mario faz bem. Apesar de, a primeira vista, a mecânica de morte do próprio Dark Souls parecer malvada demais, ela dá chances ao jogador de recuperar os recursos pedidos e, graças a forma em que seu design foi feito, o jogo se facilita a cada morte conforme o jogador adquire experiência. Em Celeste, outro jogo difícil, porém com uma proposta diferente, a morte nem sequer é punida, sendo tratada apenas como parte da jornada do jogador.

É importante também que o jogo seja tecnicamente capaz de entregar essa experiência ao jogador. Se seu jogo exige timing, por exemplo, é impensável que as animações sejam lentas e pesadas, o que acaba com a dinâmica de gameplay e pode tornar uma dificuldade saudável em pura frustração. É essencial que cada aspecto técnico, desde cenários até telas de carregamento, façam sentido com o objetivo do jogo e colaborem na experiência do jogador.

Por fim, é importante testar o jogo, observar as reações dos jogadores e ser aberto a feedbacks. É muito fácil receber um feedback de algum jogador que relatou não conseguir passar de uma fase, morreu demais ou achou frustrante e pensar que ele “não é o tipo certo de jogador para o jogo” ou “não entendeu o conceito”, e em jogos que almejam ser difíceis pode ser muito complicado perceber se o jogo está difícil ou frustrante.

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Por isso é essencial ouvir as opiniões e avaliar se a experiência do usuário está sendo de fato a desejada. Quando estamos desenvolvendo um jogo perdemos a noção da dificuldade por vivenciar ela todos os dias, por isso a extrema importância de testes bem feitos, se possível feitos até mesmo com dados de Analytics para analisar o comportamento dos jogadores.

Ao desenvolver seu próximo jogo difícil preste atenção a esses pontos e, a não ser que essa seja sua intenção, tente não replicar a frustração de jogar Cat Mario nos seus jogadores, já que ela é mais prejudicial do que benéfica. Bons jogos difíceis instigam o jogador a superar suas dificuldades, bonificam eles pelas suas vitórias e tornam a experiência de evoluir dentro do jogo divertida e empoderadora, enquanto os jogos Cat Mario geram frustração e abandono do jogador.

Bianca Nascimento

Bianca Nascimento

Game Designer formada em Jogos Digitais e apaixonada por desenvolvimento de games. Ajuda jogos a se tornarem experiências memoráveis e adora tudo o que for brilhante e colorido.

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